14 de setembro de 2010

FUNDAÇÕES DE DIREITO PRIVADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Documento do CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

1. Reafirmamos inicialmente que o SUS atravessa o período mais difícil da sua breve história de 20 anos, como conseqüência de equívocos traduzidos na sistemática desobediência e desconstrução das suas diretrizes legalmente estabelecidas.

A crise diz respeito aos seus eixos estruturantes, sendo necessária a tomada de decisões políticas que apontem para a superação dos entraves que caracterizam o

modelo de atenção, a relação público-privada, o financiamento, a gestão do trabalho e o controle social.

2. A proposta de Fundação de direito privado diz respeito especificamente à gestão do trabalho e do sistema.

Nesse momento e fruto de uma política de absoluta desresponsabilização, temos uma situação caracterizada por uma gestão muitas vezes ineficiente e por um contingente considerável de trabalhadores desmotivados, sem a formação adequada, exercendo múltipla militância, descompromissado e desvinculado dos serviços.

Como elementos definidores para esse quadro podemos enumerar:

2.1. Vínculos empregatícios à mercê de ingerências políticas e sem a estabilidade que lhes permitam segurança e motivação para o bom desempenho e

exercício profissional.

2.2. Remuneração precarizada com um elevado peso de gratificações provisórias.

2.3. Enormes diferenças de remuneração nos serviços e dentro de uma mesma categoria profissional.

2.4. Falta de qualquer perspectiva profissional numa gestão amadora, capturada por interesses particulares, centralizadora e autoritária.

2.5. Gestão sem obediência ao perfil técnico e profissional que se exige e que em grande parte dos casos não dá resposta a população que necessita do SUS.

3. Características das Fundações e o SUS real:

3.1. Concurso Público

Não existe qualquer fato novo na proposta. É uma exigência constitucional que por si só e infelizmente, não tem sido garantida no serviço público das três esferas de governo. A burla ao concurso público tem sido uma regra em todo o país, principalmente com os processos de terceirização e nada nos garante que nas fundações seria diferente.

3.2. Salários de Mercado

Na verdade por trás desse argumento está a institucionalização e aprofundamento de um grave quadro que enfrentamos hoje.

Como conseqüência dos gargalos que elencamos inicialmente, temos uma situação em que gritantes diferenças de remuneração têm sido a regra, entre os serviços e até mesmo dentro de uma mesma categoria profissional num processo que desqualifica, desmotiva e desestimula a imensa maioria dos trabalhadores,

comprometendo a qualidade do serviço prestado.

Além disso, os “salários de mercado” praticados no setor privado para essa imensa maioria de trabalhadores, são hoje via de regra inferiores aos que são pagos no setor público, que ainda assim no geral estão longe de atender ao que consideramos como justo para a importância que têm.

Por fim, a proposta das fundações aponta para Planos de Cargos e Salários por fundação, totalmente dessintonizada com a defesa de uma carreira que valorize todos em todos os serviços, podendo na contra mão das diretrizes do SUS estimular determinadas atividades profissionais em detrimento de outras. Teremos por conseguinte um agravamento da situação hoje já desfavorável, com aumento dos salários dos que já ganham de maneira diferenciada para mais e diminuição dos que estão na base da pirâmide.

3.3. Gestão do Sistema Único de Saúde - SUS

Sem a menor sombra de dúvidas um dos maiores entraves ao bom funcionamento dos serviços SUS em todo o país passa pela definição dos cargos de gestão a partir de critérios partidarizados e distante dos quesitos técnicos.

Desnecessário ilustrar as péssimas experiências passadas e presentes com fundações no serviço público brasileiro. Tem sido o instrumento mais poderoso de ocupação do público por interesses particularizados e que não atendem aos interesses do SUS. As fundações propostas apontam para a permanência desse viés incongruente e inaceitável num serviço público impessoal, transparente e democrático.

3.4. Autonomia e Agilidade Administrativa

A legislação que disciplina a administração pública e considerada pelos defensores das fundações excessivamente coercitiva, é no caso do SUS uma das mais avançadas do mundo permitindo relativa autonomia aos serviços e contratação de

trabalhadores por tempo determinado na impossibilidade de realização de concurso público.

Essa autonomia e agilidade administrativas podem ser potencializadas através da regulamentação do art. 37 da CF, tornando sem efeito a argumentação em prol das fundações como instrumentos necessários a uma maior rapidez da gestão.

4. Entendemos que imediatamente alguns caminhos são possíveis e viáveis.

4.1. Um projeto de lei estabelecendo a profissionalização da administração/gestão do SUS a partir dos seus próprios quadros.

4.2. A criação da carreira do SUS com responsabilidade das três esferas de governo, que estimule a qualificação profissional e a dedicação exclusiva e definida de acordo com as reais necessidades de cada município e de cada estado, sintoniza da com o perfil sócio epidemiológico próprio.

4.3. Proceder alterações na lei de responsabilidade fiscal para o SUS, de modo a garantir o dispositivo constitucional referente ao direito a saúde em sua plenitude e criando para os gestores as condições para superar a precarização do trabalho e qualificar a gestão.

4.4. Promover a autonomia administrativa e financeira dos serviços através da regulamentação do § 8° do Inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal.

4.5. Decisão política do Ministério da Saúde de incentivo técnico e financeiro à estruturação das redes públicas de atenção primária e de referência em todos os municípios e estados da federação.

Quadro comparativo:

FUNDAÇÕES

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Grandes diferenças salariais com desestímulo profissional e comprometimento da qualidade do serviço

aprofundam as diferenças

Plano de Cargos, Carreira e Salários do

SUS - equilibra as carreiras

Estabilidade e perspectivas de carreira

ausente gerando instabilidade ao profissional

Carreira do SUS - presente gerando

segurança ao profissional para o desempenho de suas funções.

Gestão técnica sem ingerência política e particularizada

ausente

Gestão profissionalizada - garante a

consolidação do sistema.

Valorização e comprometimento multiprofissional qualificando o

serviço prestado

ausente

profissional comprometido com o

sistema.

Autonomia administrativa e maior eficiência gerencial

não necessariamente

Regulamentação do art. 37, carreira SUS

e profissionalização da gestão - garantem a autonomia e a eficiência gerencial.

Brasília-DF, abril de 2009.

Conselho Nacional de Saúde

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